Os investimentos na economia de cuidado precisam ser dobrados para evitar uma crise global no setor, afirma um novo relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) lançado hoje (28).
Mudanças radicais nas políticas devem abordar a necessidade crescente de serviços de cuidado e enfrentar a enorme disparidade entre as responsabilidades que recaem sobre mulheres e homens. Os dados mostram que as mulheres são responsáveis por mais de três quartos do tempo gasto em trabalho de cuidado não remunerado.
Cerca de 269 milhões de novos empregos poderiam ser criados se os investimentos em educação, saúde e assistência social fossem duplicados até 2030, afirma o relatório.
De acordo com a publicação “Trabalho e emprego na economia de cuidado para o futuro do trabalho decente”, 2,1 bilhões de pessoas precisavam de cuidados em 2015, incluindo 1,9 bilhão de crianças menores de 15 anos e 200 milhões de idosos. Até 2030, esse número deve chegar a 2,3 bilhões, impulsionado por mais 200 milhões de idosos e crianças.
“A proeminência global de famílias nucleares e de famílias com apenas uma mãe ou pai, aliada ao crescimento do emprego de mulheres em certos países, aumenta a demanda por trabalhadores e trabalhadoras na economia de cuidado. Se não forem tratados de maneira adequada, os atuais déficits no setor e na sua qualidade criarão uma grave e insustentável crise global na economia de cuidado e aumentarão ainda mais as desigualdades de gênero no mundo do trabalho”, disse a principal autora do relatório, Laura Addati.
Dados de 64 países que representam dois terços da população global em idade ativa mostram que 16,4 bilhões de horas por dia são gastas em trabalho de cuidado não remunerado – o equivalente a 2 bilhões de pessoas trabalhando 8 horas por dia sem remuneração. Se esses serviços fossem avaliados com base em um salário mínimo por hora, eles representariam 9% do PIB global ou US$ 11 trilhões (paridade do poder de compra em 2011).
Mulheres carregam o peso do trabalho de cuidado não remunerado
Segundo o relatório, as mulheres realizam 76,2% do total de horas de trabalho de cuidado não remunerado, mais que o triplo dos homens.
Em alguns países, a contribuição dos homens para o trabalho de cuidado não remunerado aumentou nos últimos 20 anos. No entanto, nos 23 países que fornecem esses dados, a desigualdade de gênero no que diz respeito ao tempo dedicado às responsabilidades de cuidado não remunerado diminuiu apenas 7 minutos por dia nas últimas duas décadas.
“Nesse ritmo, serão necessários 210 anos para acabar com a desigualdade de gênero no trabalho de cuidado não remunerado nesses países. O ritmo glacial dessas mudanças questiona a eficácia das políticas passadas e atuais em abordar a extensão e a divisão do trabalho de cuidado não remunerado nos últimos 20 anos”, disse a chefe do Departamento de Gênero, Igualdade e Diversidade e da área de AIDS da OIT, Shauna Olney.
O relatório afirma que o trabalho de cuidado não remunerado é a principal barreira que impede as mulheres de entrar, permanecer e progredir na força de trabalho. Em 2018, 606 milhões de mulheres em idade ativa disseram que não conseguiam trabalhar por causa do trabalho de cuidado não remunerado. Apenas 41 milhões de homens disseram que não estavam na força de trabalho pelo mesmo motivo.
Um relatório conjunto da OIT e da Gallup de 2017 revelou que a maioria das mulheres no mundo preferia trabalhar em empregos remunerados, incluindo aquelas que não estão no mercado de trabalho, e que os homens concordam. Constatou-se também que os maiores desafios identificados, tanto por mulheres quanto por homens, para as mulheres que trabalham em empregos remunerados foram o equilíbrio entre trabalho e família e a falta de serviços de cuidado acessíveis. “Isso significa que um grande número de mulheres poderia ter acesso a empregos remunerados por meio do acesso universal a políticas, serviços e infraestrutura de cuidado”, destacou Olney.
Necessidade de aumento de gastos na economia de cuidado
O relatório defende um caminho para a economia de cuidado que resultaria num total de 475 milhões de empregos no setor até 2030, ou seja, 269 milhões de empregos adicionais em comparação ao número de empregos existentes em 2015. Isso implica um total de gastos públicos e privados na economia de cuidado de US$ 18,4 trilhões ou 18,3% do PIB total projetado. Esse investimento permitiria aos países atingir várias metas de quatro Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas até 2030: ODS 3 (saúde e bem-estar), ODS 4 (educação de qualidade), ODS 5 (igualdade de gênero) e ODS 8 (trabalho decente e crescimento econômico).
O relatório também mostra que a maioria dos trabalhadores da economia de cuidado são mulheres, frequentemente migrantes e que trabalham na economia informal sob condições precárias e com baixos salários.
“Avançar no caminho certo para a economia de cuidado significa reconhecer, reduzir e redistribuir o trabalho de cuidado não remunerado e conquistar trabalho decente para os trabalhadores e trabalhadoras do setor, incluindo domésticos (as) e migrantes. A baixa qualidade dos empregos na economia de cuidado leva a um trabalho de baixa qualidade. Nosso relatório pede mudanças radicais nas políticas de cuidado, macroeconômica, proteção social, trabalho e migração”, concluiu Addati.
Outras conclusões importantes:
Mães de crianças com menos de 6 anos são as mais prejudicadas, com apenas 47,6% delas empregadas;
cuidadores não remunerados também são penalizados na qualidade do trabalho: morar com uma criança menor de 6 anos implica uma perda de quase 1 hora de trabalho remunerado por semana para mulheres e um aumento no tempo de trabalho remunerado de 18 minutos por semana para homens;
as atitudes em relação à divisão de gênero do trabalho de cuidado remunerado e não remunerado estão mudando, mas o modelo de família do “homem-provedor” permanece muito enraizado nas sociedades, juntamente com o papel de cuidado das mulheres na família, que continua sendo central;
em 2016, apenas 42% dos 184 países com dados disponíveis cumpriram os padrões mínimos estabelecidos na Convenção 183 da OIT sobre Proteção à Maternidade;
no mesmo ano, 39% dos 184 países com dados disponíveis não tinham nenhuma licença garantida por lei para os pais (remunerada ou não remunerada);
globalmente, as taxas brutas de matrícula em serviços de primeira infância para crianças menores de 3 anos eram de apenas 18,3% em 2015 e quase não chegavam a 57% para crianças de 3 a 6 anos;
os serviços de cuidado de longo prazo são quase inexistentes na maioria dos países africanos, latino-americanos e asiáticos.
Acesse o relatório completo em: https://www.ilo.org/global/publications/books/WCMS_633135/lang–en/index.htm.
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