Autor de uma das obras fundamentais sobre o Brasil – Os sertões – o escritor, jornalista e engenheiro Euclides da Cunha (Rio de Janeiro 1866-1912) é o Autor Homenageado da Flip 2019, que acontece de 10 a 14 de julho, em Paraty. A editora Fernanda Diamant é a curadora responsável pelo Programa Principal, que tem direção geral e artística do arquiteto Mauro Munhoz.
✏ Veja mais informações sobre a Flip no PortalR3 Literaturando
Grande literatura
Publicado em 1902, Os sertões tem origem no trabalho de cobertura jornalística da revolta de Canudos (1896-97), ocorrida no interior da Bahia, que opôs o exército e o governo brasileiro ao movimento de cunho social,político e religioso liderado por Antônio Conselheiro. O conflito resultou no massacre dos seguidores de Conselheiro e em uma vergonhosa vitória do exército.Correspondente do jornal O Estado de S.Paulo, Euclides da Cunha iniciou a tarefa de reportagem com convicções morais e políticas que foram desafiadas ao longo da experiência. Isso se refletiu profundamente na obra. Dividido em três partes – “A terra”, “O homem” e “Aluta” –, Os sertões explora a influência do meio sobre o homem na procura de uma identidade nacional. Observador agudo tanto do ambiente quanto da alma humana, Euclides atravessa a história do Brasil desde a chegada dos portugueses, passando pela exploração dos bandeirantes, até a instituição da república, nessa obra monumental.
“A obra do Euclides da Cunha é pioneira na criação a partir da leitura e da interpretação do território, questão que nortearia os modernistas ao longo do século 20 e está presente na Flip desde sua concepção.”, afirma Munhoz. “A sua ligação com o jornalismo compõe também um elo importante com a Festa Literária, que sempre teve uma conexão forte com o jornalismo e a literatura de não ficção, gênero que tem trazido obras de grande valor cultural e intelectual. É essa conexão entre o território e a literatura que nos permite inovar todos os anos, mantendo-nos conectados às novas demandas culturais, artísticas e intelectuais do país, como o próprio autor ao seu tempo.”
“Os sertões pode ser considerado um dos primeiros clássicos brasileiros de não ficção. Mistura jornalismo, geografia, filosofia, teorias sociais e científicas– muitas delas ultrapassadas – para falar de um país em transição. O país tornava-se república no auge do determinismo”, afirma Diamant. “A obra mudou o entendimento que se tinha sobre o interior do país e do homem sertanejo. Além de ser grande literatura do ponto de vista da forma, ela faz críticas morais, políticas e sociais altamente pertinentes no Brasil de hoje. Mais que tudo, mostra a transformação existencial de um homem que entra contato com uma realidade desconhecida e precisa reorganizar seus valores.”
Além de influenciar grandes escritores brasileiros, como Guimarães Rosa, Os sertões foi traduzido para várias línguas e influenciou autores como o peruano Mario Vargas Llosa (A guerra do fimdo mundo, 1981) e o húngaro Sandor Marai (Veredicto em Canudos, 2002).
O Autor Homenageado
Filho de um casal de agricultores,Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha ficou órfão de mãe aos três anos. Ao longo da infância e da adolescência viveu em casa de familiares até mudar-se para o Rio de Janeiro, então capital do Império. Teve aulas com Benjamin Constant, militar republicano que seria um dos artífices da proclamação da República.
Em 4 de novembro de 1888 tenta quebrara baioneta do ministro da Guerra, Tomás Coelho, em protesto contra a monarquia. Excluído do Exército, muda-se para São Paulo, onde começa a colaborar com A Província de São Paulo (hoje O Estado de S. Paulo), jornal criado em 1875 para defender as ideias republicanas.
Com a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, Cunha é reconduzido ao Exército,promovido a alferes-estudante, e passa a colaborar na Gazeta de Notícias, jornal do Rio de Janeiro. Em janeiro de 1890 matricula-se na Escola Superior de Guerra e é promovido a Segundo Tenente. Em setembro, casa-se com Ana Ribeiro, filha do General Solon Ribeiro, militar atuante na proclamação da República.
Em 1893, como engenheiro,trabalha na construção da Estrada de Ferro Central do Brasil. Três anos depois,deixa o Exército e volta a viver em São Paulo. Em março de 1897 publica no O Estado de S. Paulo os artigos “A nossa Vendeia”, sobre a guerra em Canudos. Viaja como correspondente da guerra, onde testemunha os últimos momentos do conflito, escrevendo artigos e recolhendo observações. “Ao longo desse período, o autor mudou de posição.Ele, que era um republicano fervoroso, começa a perceber falhas políticas,sociais e morais nas ações do governo”, afirma Diamant.
O livro seria publicado pela primeira vez em 1902, com excelente recepção de crítica e de público. A obra valeu também o ingresso do autor na Academia Brasileira de Letras e no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Em 1904 é indicado para membro da Comissão de Reconhecimento do Alto Purus, que o nomeia chefe da Comissão. Em 13 de dezembro parte para o Amazonas. De volta ao Rio de Janeiro no início de 1906 toma posse na Academia Brasileira de Letras. Publica Contraste e confrontos, coletânea de artigos. Em setembro de 1907 publica Peru versus Bolívia. Termina a redação de À margem da história, que sairia como livro póstumo.
Sua mulher, Ana, com quem teve três filhos, aos 33 anos iniciou um romance com Dilermando de Assis(1888-1951), de dezessete anos, com quem tem dois filhos registrados pelo autor de Os sertões. Com o regresso de Cunha, em 1906, Dilermando parte para Porto Alegre, sua cidade natal, de onde retorna dois anos depois, como tenente e volta a encontrar-se com Ana. O casal é surpreendido por Euclides que, armado, tenta matá-los, mas acaba morto por Dilermando, em legítima defesa, aos 46 anos. Dilermando, absolvido por júri popular, apesar de massacrado pela imprensa da época, chega a general e publica obras como A tragédia de Piedade, sua versão sobre o crime. Ana e ele permanecem casados por 17 anos e têm quatro filhos.
* Com informações da FLIP
Veja também