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ONU: tensões comerciais e geopolíticas devem afetar crescimento global em 2020

Porto de Kwai Chung em Hong Kong. (Foto: Flickr (CC) / uituit)

Afetada por prolongadas disputas comerciais, a economia global teve seu menor crescimento da década no ano passado, desacelerando para 2,3%. Para este ano, as Nações Unidas preveem leve aceleração da atividade econômica se os riscos forem mitigados, de acordo o relatório “Situação Econômica Mundial e Perspectivas 2020” (WESP 2020, na sigla em inglês), lançado globalmente nesta quinta-feira (16). No Brasil, a expectativa é de recuperação da demanda doméstica, com crescimento de 1,7% neste ano.

O relatório aponta que o crescimento global de 2,5% em 2020 é possível, mas o aumento de tensões comerciais, a turbulência financeira ou a escalada de tensões geopolíticas podem impedir esta recuperação. Num cenário negativo, o crescimento global pode desacelerar para apenas 1,8% neste ano.

Uma prolongada fraqueza na atividade econômica global pode causar significativos retrocessos para o desenvolvimento sustentável, incluindo objetivos como erradicação da pobreza e criação de trabalho decente para todos. Ao mesmo tempo, desigualdades generalizadas e o aprofundamento da crise climática provocam crescente descontentamento em muitas partes do mundo.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, advertiu que estes riscos podem provocar danos severos e prolongados às perspectivas de desenvolvimento. “Também ameaçam encorajar um aumento de políticas mais introspectivas, num momento em que a cooperação global é indispensável”, alertou a liderança das Nações Unidas.

América Latina e Caribe – Para a América Latina e Caribe, o crescimento permanece fraco, de acordo com o WESP 2020. O Relatório aponta que a região deve passar por uma recuperação lenta e não homogênea nos próximos dois anos.

Depois de crescer apenas 0,1% em 2019, o PIB agregado deve subir 1,3% em 2020 e 2% em 2021. A atividade econômica será sustentada pela política monetária acomodatícia, junto com a recuperação da demanda doméstica no Brasil e no México. Mas até mesmo essa projeção modesta de recuperação tem riscos significativos, incluindo a deterioração do comércio global, a renovação da volatilidade financeira e o aumento das incertezas políticas.

Em 2019, a renda per capta estagnou ou diminuiu na maioria das economias da região, incluindo Argentina, Brasil e México. Desde o fim do “boom” das commodities, a região tem falhado em alcançar crescimento econômico significativo. A média per capita do PIB latino-americano e caribenho atualmente é cerca de 4% menor do que em 2014.

Em meio à média de rendimento menor e à desigualdade persistente, os níveis de pobreza têm aumentado na região. O fracasso em proporcionar crescimento econômico inclusivo, ao lado da erosão da confiança nas instituições políticas, têm provocado crescente descontentamento popular em alguns países latino-americanos e caribenhos.

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Na América do Sul, o retorno a um crescimento robusto permanece difícil. Em muitos países, obstáculos estruturais de longa duração estão combinados a ventos contrários de curta duração, como desaceleração do comércio global, preços moderados das matérias-primas e situações políticas voláteis.

A recuperação do Brasil pode ganhar algum impulso com o aumento da confiança das empresas e o crescimento projetado pode aumentar do 1% estimado para 2019 a 1,7% em 2020. A perspectiva de curto prazo para a Argentina enfrenta incertezas maiores. Para 2020, a expectativa é de terceiro ano consecutivo de retração, embora com a uma taxa melhor do que no ano passado. Já Paraguai, Peru e Uruguai devem ter um considerável crescimento na atividade econômica em 2020, graças à recuperação da demanda doméstica.

A atividade econômica deve acelerar vagarosamente em América Central e México, depois de o crescimento ter atingido um piso de dez anos em 2019. Enquanto a economia mexicana estagnou no ano passado, condições monetárias mais frouxas e reduzidas incertezas políticas ajudarão a uma modesta recuperação em 2020, com crescimento projetado de 1,3%.

Em muitas partes da América Central, as perspectivas econômicas se mantêm moderadas. Os rendimentos continuarão a crescer a taxas insuficientes para atender às necessidades prementes de desenvolvimento, incluindo grandes déficits de infraestrutura e ausência de oportunidades de trabalho decente para jovens.

No Caribe, os esforços de consolidação fiscal em andamento, combinados à exposição dos países a eventos climáticos extremos, continuam a pesar sobre a perspectiva de crescimento. Excluindo a Guiana, onde o início da produção de petróleo deve impulsionar a expansão na atividade econômica em 2020, uma aceleração modesta de crescimento é prevista para o Caribe este ano.

Com intensificação dos riscos, os tomadores de decisão da América Latina e Caribe enfrentam desafios. A região tem confiado primariamente na política monetária para amortecer a atual desaceleração. No entanto, em função das baixas taxas de juros e da frágil confiança por parte do mercado financeiro, o espaço para mais alívio monetário é limitado.

Ao mesmo tempo, pressões fiscais permanecem grandes, enquanto muitos países lutam com déficits consideráveis e aumento dos custos da dívida. A consolidação fiscal tem sido implementada através de cortes no investimento público, o que pode dificultar as perspectivas de crescimento de longo prazo.

Mundo – Nos Estados Unidos, a recente diminuição da taxa de juros feita pelo Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) pode dar algum apoio à atividade econômica. No entanto, dada a persistência da incerteza política, a fraca confiança empresarial e o exíguo estímulo fiscal, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) deve desacelerar de 2,2% em 2019 para 1,7% em 2020.

Na União Europeia, o setor produtivo continuará detido pelas incertezas globais, mas isso será parcialmente compensado pelo contínuo crescimento do consumo privado, permitindo uma modesta aceleração do PIB de 1,4% em 2019 para 1,6% em 2020.

Apesar de significativos ventos contrários, a Ásia Oriental permanece a região com crescimento mais rápido e principal impulsionadora do crescimento global, de acordo com o relatório. Na China, o crescimento do PIB deve desacelerar gradualmente de 6,1% em 2019 para 6,0% em 2020 e 5,9% em 2021, apoiado por políticas monetárias e fiscais mais acomodatícias. O crescimento em outros grandes países emergentes, incluindo Brasil, Índia, México, Rússia e Turquia, pode ganhar algum impulso em 2020, lembrou o documento.

A África tem passado por uma década de quase estagnação per capita do PIB, e muitos países do mundo ainda estão sofrendo os efeitos da queda dos preços das commodities ocorrida em 2014-2016, que resultou em persistentes perdas e revezes na redução da pobreza.

Em um terço dos países em desenvolvimento que dependem de matérias-primas — onde moram 870 milhões de pessoas — a média de rendimentos reais são menores hoje do que eram em 2014. Isso inclui grandes países como Angola, Argentina, Brasil, Nigéria, Arábia Saudita e África do Sul.

Ao mesmo tempo, o número de pessoas vivendo na extrema pobreza tem aumento em diversos países da África Subsaariana e em partes da América Latina e da Ásia Ocidental. Progresso sustentável para redução da pobreza vai exigir ao mesmo tempo um aumento significativo do crescimento produtivo e firme comprometimento para enfrentar grandes níveis de desigualdade. As estimativas da ONU indicam que, para erradicar a pobreza em boa parte da África, é necessário um crescimento per capita anual de 8%, comparado com uma taxa média anual de 0,5% na última década.

Além do crescimento do PIB, outras medidas de bem-estar pintam um quadro mais sombrio em diversas partes do mundo. A crise climática, a persistência de grandes desigualdades, os crescentes níveis de insegurança alimentar e de desnutrição continuam a afetar a qualidade de vida em muitas sociedades.

“Tomadores de decisões devem avançar para além do foco restrito de meramente promover o crescimento do PIB e, em vez disso, procurar melhorar o bem-estar em todos os setores da sociedade. Isto requer priorizar o investimento em projetos de desenvolvimento sustentável para promover educação, energia renovável e infraestrutura resiliente”, enfatizou Elliott Harris, economista-chefe e assistente do secretário-geral da ONU para o desenvolvimento econômico.

Para combater as mudanças climáticas, as necessidades crescentes de energia do mundo devem ser atendidas com fontes renováveis ou de baixo carbono. Isso irá exigir ajustes massivos no setor de energia, que atualmente é responsável por cerca de ¾ das emissões globais dos gases de efeito estufa. Se as emissões per capta dos países em desenvolvimento crescerem aos níveis das economias desenvolvidas, as emissões globais de carbono aumentariam mais de 250% — enquanto o objetivo global é de emissões zero até 2050.

A urgência da transição energética continua subestimada, resultando em decisões míopes, como expandir o investimento na exploração de gás e petróleo e na geração de energia à base de carvão. Isso não apenas deixa muitos investidores e governos expostos a perdas abruptas, mas também apresenta revés significativo para metas ambientais.

Qualquer demora na tomada de decisão na transição energética pode dobrar custos eventuais, de acordo com as Nações Unidas. A transição para uma combinação de energia mais limpa trará não apenas benefícios ambientais e de saúde, mas também oportunidades econômicas para muitos países.

A confiança excessiva na política monetária não é apenas insuficiente para estimular o crescimento, mas também implica custos significativos, incluindo riscos exacerbados de estabilidade financeira. É necessário um conjunto mais balanceado de políticas, uma que estimule o crescimento econômico enquanto busca maior inclusão social, igualdade de gênero e produção sustentável ambientalmente, segundo o documento da ONU.

“Em meio ao crescente descontentamento por conta da falta de crescimento inclusivo, pedidos de mudança se espalham pelo mundo. É necessário maior atenção para as implicações ambientais e distributivas de medidas políticas”, concluiu Harris.

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