Dados de pesquisas recentes alertam que as dificuldades econômicas causadas pela pandemia de COVID-19 poderiam aumentar a dependência de ajuda nos países em conflito se não houver uma resposta coordenada de governos, instituições financeiras internacionais e organizações humanitárias e de desenvolvimento, afirmou hoje o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV).
Sem uma ação coordenada por parte da comunidade internacional, prevemos que as necessidades humanitárias se aprofundem e piorem após a COVID-19. É provável que surjam novas necessidades de saúde e proteção de curto e longo prazos, e que comunidades relativamente resilientes precisem de assistência.
O impacto da COVID-19 sobre a economia e a segurança alimentar é enorme e provavelmente aumentará com o tempo. Nos países em conflito, milhões de pessoas já convivem com serviços precários ou inexistentes de assistência à saúde, alimentação, água e eletricidade, além de aumento de preços e destruição da infraestrutura. O impacto da COVID-19 poderia desencadear um círculo vicioso de perda de renda, aprofundamento da pobreza e fome.
Indicadores iniciais nas zonas de conflito onde o CICV trabalha revelam o amplo impacto da COVID-19:
Na Nigéria, 95% das 313 pessoas entrevistadas em uma pesquisa do CICV disseram que seus meios de subsistência pioraram devido à COVID-19, com a consequente redução de renda e salário. No Iraque, a proporção foi de 83% (entre 130 pessoas) e na Líbia, 52% (entre 190);
No Iraque, 77% dos entrevistados disseram não ter economias para enfrentar a crise. Na Líbia, 85%; na Nigéria, 48%;
No Níger, 93% dos 300 entrevistados disseram que sua fonte de renda ou subsistência foi afetada pela COVID-19; 61% perderam o emprego e 20% sofreram redução de salário;
Na Ucrânia, 75% dos 215 entrevistados apontaram um aumento no preço dos itens básicos e 47% relataram uma redução do acesso aos produtos.
“A COVID-19 causou um imenso choque para as famílias, em especial nas zonas de conflito. Temo que, sem medidas coordenadas de governos e organizações humanitárias, as consequências de longo prazo gerem sérios prejuízos”, afirmou Charlotte Bennborn, chefe do Departamento de Segurança Econômica do CICV.
A organização pede que os programas de proteção social sejam mantidos e ampliados, e que incluam as pessoas mais vulneráveis. As atividades existentes voltadas a segurança alimentar, nutrição e meios de subsistência também devem ser reforçadas.
O mecanismo que as famílias normalmente usam para superar os tempos de escassez – pedir empréstimo para vizinhos ou familiares, reduzir as compras, lançar mão das economias – se esgotaram para muitas delas. Os lares mais atingidos já sofriam de insegurança alimentar, com acesso físico e financeiro restrito aos alimentos devido à COVID-19.
É preocupante que a fome, a desnutrição e a COVID-19 se reforcem mutuamente, do mesmo jeito que os anteriores surtos – Ebola, SARS, MERS – tiveram um impacto negativo sobre a segurança alimentar, aumentando os índices de desnutrição. A melhoria dos sistemas de saúde nas zonas de conflito gera retornos positivos nos âmbitos local e mundial.
“No curto prazo, o fortalecimento dos sistemas de saúde, água e saneamento nas zonas de conflito, para prevenir e gerenciar a transmissão de doenças infecciosas, deve ser uma prioridade”, disse Esperanza Martínez, chefe de saúde do CICV.
Além disso, a perda de renda pode atingir famílias numa época em que os países têm dificuldade para oferecer serviços essenciais, aprofundando a insegurança alimentar de pessoas que já estão em risco. Quando restrições de movimento são impostas, os habitantes enfrentam a difícil decisão de ganhar a vida ou proteger sua saúde.
Famílias que dependem de remessas de familiares migrantes também estão em risco, já que as oportunidades de trabalho se deterioram mesmo nos países mais ricos. A crise econômica provocada pela COVID-19 deve causar uma redução de 20% nas remessas globais, segundo estimativa do Banco Mundial. No Iêmen, por exemplo, a COVID-19 levou a uma diminuição das remessas que poderia chegar a 70%, em um país onde o preço da cesta básica (arroz, lentilha, leite, trigo, feijão, óleo, açúcar e sal) aumentou 60% desde o início do conflito, em 2015.