O Dia Nacional de Combate ao Fumo, comemorado hoje (29), este ano reforça a mensagem de que há mais uma razão para que o hábito seja abandonado em definitivo: o agravamento do quadro de covid-19. O tabagismo é considerado uma epidemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e exige, muitas vezes, um tratamento que abranja a dimensão psicológica do fumante, conforme destaca a especialista Silvia Maria Cury Ismael.
Segundo Silvia, que é a idealizadora e coordenadora do Programa Vida Sem Cigarro, do HCor, é preciso entender o que existe por trás do desejo pelo cigarro. Com experiência de quase três décadas nesse meio, ela diz que os 9,3% da população brasileira que ainda mantêm o hábito são, em grande parte, fumantes que não necessariamente consomem uma carteira toda em um curto intervalo de tempo, o que indica que a abordagem de psicólogos pode ser determinante.
“A dificuldade que temos hoje é que a parcela que ainda permanece fumando é de pessoas que têm uma dependência ou uma compulsão muito forte. Nem sempre são pessoas que fumam muitos cigarros. Às vezes, são pessoas que fumam menos do que dez ou cinco por dia, que têm uma dependência física baixa, mas uma dependência psicológica muito alta. A parte emocional pega muito mais, deixa a pessoa muito alterada, com sintomas de abstinência.”
O tabaco provoca a morte de mais de 8 milhões de pessoas, por ano, em todo o mundo. De acordo com a OMS, a proporção de óbitos que são resultado do uso direto do tabaco ultrapassa 7 milhões. Outros 1,2 milhão, aproximadamente, são de não-fumantes que foram expostos ao fumo passivo.
A conta faz sentido, já que, conforme aponta o Instituto Nacional de Câncer (Inca) – que em abril já alertava para os efeitos graves que o tabagismo pode desencadear em infectados pelo SarS-Cov-2 – a fumaça que sai da ponta do cigarro e se espalha pelo ambiente carrega até 50 vezes mais substâncias cancerígenas do que a fumaça que o fumante inala.
A fumaça do cigarro contém mais de 7 mil compostos e substâncias químicas. Desse total, no mínimo, 69 são cancerígenos.
“Trabalhamos procurando fazer a pessoa entender o perfil de fumante dela, porque o dependente de cigarro age muito, em algumas situações, no piloto automático, não avalia a situação, o que está sentindo, não tem percepção clara de por que está fumando naquele momento. Uma das coisas que trabalhamos na terapia é justamente isso. Geralmente, a questão do prazer é difícil pro fumante, tem a estimulação, a dependência física. São várias áreas que vamos avaliar junto com ele. Procuramos trabalhar do ponto de vista cognitivo as respostas que ele tem que ter”, complementa Silvia.
Para a psicóloga, a compreensão sobre esses mecanismos psíquicos evita que o fumante tenha recaídas. Outro motivo por que considera importante que o tratamento adote um protocolo individual, feito especificamente para cada tabagista.
“Há técnicas comportamentais, como adiar o fumo por um período, para trabalhar o autocontrole, entender o ‘cigarro da ansiedade’, entender por que fuma quando fica triste ou, se for acostumado a fumar sempre em determinados locais, ajudar a mudar um pouco o contexto de vida dele. Por exemplo, eu tinha uma paciente que saía da empresa onde trabalhava e fazia um percurso. Nesse percurso, até pegar a condução, ela fumava. Então, passou a sair por um outro lado da empresa, fazer um trajeto diferente, porque isso trabalha a quebra do padrão de comportamento, aquele condicionamento que você tem.”
Silvia relata ainda a experiência que teve com a capacitação de cerca de 1 mil profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS), em São Paulo capital, em 2015, por iniciativa do governo federal. Orientá-los a oferecer um tratamento adequado fez com que 44% dos pacientes inscritos nos programas antitabagistas da rede parassem de fumar.
“Apesar de o tabagismo ser uma doença, há profissionais de saúde que dizem que não sabem tratar fumantes. A partir do momento em que você capacita, que a Unidade Básica de Saúde implementa e existe uma legislação para isso – que diz que todas as unidades têm que ter tratamento para fumante – eles começam a tratar a população. O retorno que tivemos dos primeiros seis meses após a capacitação foi extremamente animador. Ao final, com 44% de sucesso, eles nem estavam com medicamento, foi só o tratamento de grupo com a terapia. Eles usavam, basicamente, o atendimento médico e a orientação psicológica. Foi muito bacana e gratificante.”
A médica cita que, além do apoio psicológico e das medicações, há outras ferramentas, como a terapia de reposição de nicotina, a goma de mascar (chicletes), pastilha e o cloridrato de bupropiona, prescrito também para depressão. “É um programa muito bem-sucedido e em várias unidades do país eles têm replicado isso, porque ficou com o protocolo”, afirmou, em referência ao registrado no Caderno de Atenção Básica n° 40 – O cuidado da pessoa tabagista.
Para divulgar os endereços das unidades onde é oferecido o tratamento gratuito contra o tabagismo, o governo estadual de São Paulo mantém atualizada uma lista, que fica disponível no site da Secretaria da Saúde. A seção está dividida por pontos na capital, Grande São Paulo e interior do estado.