Setembro, é vivido e celebrado em nossas comunidades eclesiais, como um período dedicado à Palavra de Deus. Chamamos de “Mês da Bíblia”.
“Este ano, 2020, a Igreja no Brasil comemora o Mês da Bíblia, em sintonia com a Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), fundamentando-se no livro do Deuteronômio, com o lema “Abre tua mão para o teu irmão” (Dt 15,11). É um livro rico em reflexões morais e éticas, com leis para regular as relações com Deus e com o próximo. Destaca-se no Deuteronômio a preocupação de promover a justiça, a solidariedade com os pobres, o órfão, a viúva e o estrangeiro. São leis humanitárias encontradas também no Código da Aliança (Ex 20-23)”. (CNBB)
Existem alguns passos importantes a serem dados, o primeiro, é não reduzir “o mês” a uma simples exposição e/ou entrada da bíblia em nossas celebrações. O tema proposto é bem pertinente, convidando-nos a enxergar a partir da Palavra de Deus as situações da vida.
O segundo, é acolher o lema dentro do contexto desta Pandemia. Na superação da individualidade, pensarmos sobre nossa responsabilidade sobre o outro. Podemos correr o risco de sempre buscar o caminho mais fácil e menos comprometedor, que é fazer das celebrações litúrgicas, apenas um lugar de encenação da Palavra. Estaríamos negando o próprio conceito litúrgico de encontro da vida e de libertação que provém do mistério pascal. É logico que nosso relacionamento não deve ser restrito à escuta no momento em que celebramos os sacramentos ou mais especificamente, na hora da Missa. O Cristão é chamado a ter uma intimidade com a Palavra que o acompanhe no dia a dia da vida.
Considerando que para muitos, a única oportunidade de ouvir a Palavra é a celebração eucarística (Missa), devemos pensar no seu valor. Orígenes (teólogo cristão grego) assim descreve o momento celebrativo: “Bem-aventurada assembleia, aquela da qual a Escritura testemunha que os olhos de todos estavam fixos nele.”
Outra consciência que devemos ter, dentro da proposta de se celebrar o mês da Bíblia, é de que se proclama a pessoa de Jesus Cristo. Ele é a Palavra encarnada. Toda sua vida é a proclamação das maravilhas de Deus. Sua palavra é sempre entendida e acolhida com autoridade. “O Filho de Deus é um livro de cores intensas. Este livro precioso não está jamais fechado, suas páginas não amarelam com o tempo. É mais legível de noite que de dia. É um livro de imenso valor, um livro de grande pureza; um livro para o tempo, para ler e confiar ao coração.” (J. LECLERCQ). Não podemos fazer de conta, ou entender que o livro sagrado é apenas um instrumento que a assembleia litúrgica visualiza, toca, bate palma. A Palavra, que é Cristo, quer chegar ao nosso coração, para transformá-lo, questioná-lo, impulsioná-lo.
Outro fator fundamental no processo de valorização litúrgica da Palavra é a consciência da comunidade reunida para ouvir. Unidos pela realidade batismal, o povo sacerdotal, acolhe a proclamação da palavra, como um nutriente para o itinerário de fé. “A proclamação da Palavra de Deus pela Igreja é decisiva para a fé do cristão, já que ela possibilita o acolhimento livre do anúncio salvífico da pessoa de Cristo, acolhimento esse possibilitado pela atuação do Espírito Santo” (DGAE 60).
A comunidade reunida é expressão de sua comunhão de fé. Deixa-se conduzir pelo Espírito Santo que se manifesta em cada proclamação. “A proclamação da Palavra na liturgia torna-se para os fiéis a primeira e fundamental escola da fé. Por isso, é essencial que pastores e fiéis se empenhem para que a Palavra seja claramente anunciada nas celebrações ao longo do ano litúrgico, seja comentada e refletida com homilias cuidadosamente preparadas, e encarnada na vida” (DGAE 62).
A Igreja cresce e se constrói ao ouvir a Palavra de Deus. Iluminados pela graça do Espírito Santo, precisamos superar uma liturgia racional da Palavra para chegarmos a uma Liturgia do Coração. Não basta sermos repetidores de um texto bíblico; é preciso ser praticante desta Palavra; nisto encontramos o sentido de sermos proclamadores. É preciso, na prática da pastoral litúrgica, educar os leitores para uma Lectio Divina, desenvolvendo assim uma espiritualidade, buscar formação bíblico-teológica, promover momentos comunitários de partilha da palavra.
Na Introdução do Lecionário, n. 3, encontramos uma afirmação muito particular sobre o valor litúrgico da Palavra de Deus: “A mesma celebração litúrgica, que se sustenta e se apoia principalmente na Palavra de Deus, converte-se num acontecimento novo e enriquece a palavra com uma nova interpretação e eficácia. Por isso, a Igreja continua fielmente na Liturgia o mesmo sistema que usou Cristo na leitura e interpretação das Sagradas Escrituras, visto que ele exorta a aprofundar o conjunto das Escrituras, partindo do ‘hoje’ de seu acontecimento pessoal (cf. Lc 4, 16-21; 24, 25-35. 44-49)”.
Temos um longo caminho a percorrer, de modo que não sejamos hipócritas e continuemos batendo palma para a Bíblia ou para a Palavra de Deus em nossas celebrações, e a mesma acabe sendo apenas um discurso bonito. Precisamos entender que a liturgia, acompanha a vida, o nosso dia a dia. Precisamos ser uma Igreja em saída. Sair da mesmice, do repetitivo, daquilo que não compromete. O Apóstolo Paulo convida-nos a uma reflexão: “nunca deixei de anunciar aquilo que pudesse ser de proveito para vós, nem de vos ensinar, publicamente e de casa em casa. Por isso, estai sempre atentos: lembrai-vos de que durante três anos, dia e noite, com lágrimas, não parei de exortar a cada um”. (Atos dos Apóstolos 20,20ss).
Como afirma o Apóstolo Paulo, a Palavra deve ser entendida como algo que nos é de “proveito”. Como pessoas que se encontram com Jesus no banquete eucarístico, devemos abraçar a cruz-palavra e sair com o fermento que colocado na farinha, faz crescer (cf. Mt 13,33).
Desejo que nossas comunidades avancem na prática da Palavra Encarnada, que é Jesus Cristo.
Padre Kleber Rodrigues da Silva, é pároco e reitor da Paróquia Nossa Senhora do Bom Sucesso, em Pindamonhangaba-SP. Natural de São Luiz do Paraitinga-SP, é o caçula de 12 filhos. Foi ordenado padre em 15 de maio de 2004. É formado em Filosofia, Teologia, Publicidade e Propaganda e atualmente está fazendo Pós-Graduação, em Gestão Religiosa e Paroquial.
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