Um dos espaços públicos mais importantes da cidade de São Paulo, o Parque Ibirapuera, recebe a 10ª Mostra 3M de Arte. Viabilizada pelo patrocínio da 3M via Lei Federal de Incentivo à Cultura, a mostra que discute o coletivo e a arte encontrou um desafio: ocupar o espaço público no momento pós isolamento social intensivo, para isto a 10ª Mostra 3M de Arte selecionou quatro artistas via edital e seis convidados. Juntos, irão ocupar o parque e incentivar reflexões sobre a relação do indivíduo e da coletividade na sociedade.
Pela primeira vez em sua história, o parque vai receber dez instalações pela extensão da área verde, totalmente ao ar livre. O evento começou no sábado (7) e segue até o dia 6 de dezembro, e conta com a curadoria de Camila Bechelany – também pesquisadora e editora, com foco em arte e política.
Com a temática Lugar Comum: travessias e coletividades na cidade o conceito desenvolvido para a mostra explora a relação de cada indivíduo como participante ativo e receptivo no meio urbano. A proposta curatorial faz refletir que por meio das experiências particulares e coletivas, o indivíduo tem papel de agente transformador do espaço público.
A curadora Camila Bechelany convidou a artista e curadora Camilla Rocha Campos e a curadora Eva González-Sancho Bodero para compor um júri que discutiu e selecionou as propostas inscritas no edital da mostra. Dos 10 projetos que estão expostos pelo parque, quatro deles foram selecionados por meio deste edital. Neste ano, o evento recebeu 338 propostas de instalações – 222 a mais que o edital do ano anterior.
Os selecionados foram: Maré de Matos (SP), Narciso Rosário (PI), Coletivo Foi à Feira (SP e ES) e a dupla Gabriel Scapinelli e Otávio Monteiro (SP). Os convidados para a mostra são Camila Sposati (SP), Cinthia Marcelle (MG), Diran Castro (SP), Lenora de Barros (SP), Luiza Crosman (RJ) e Rafael RG (SP).
Obras adaptadas ao mundo em pandemia
Após a chegada da pandemia e suas limitações, tanto as obras quanto a mostra foram completamente repensadas, contou a curadora. “Tivemos momentos de muitas reflexões durante o processo, tínhamos muitas dúvidas sobre como seria trabalhar em uma montagem e na abertura de uma exposição durante a crise sanitária, e foi preciso reavaliar cada uma das obras até chegar no formato ideal, que levasse em consideração a segurança dos artistas e do público, além de repensar os projetos conceitualmente para que fizessem sentido de existirem num mundo em pandemia”.
O público que gosta de interagir com as obras e tirar fotos junto às instalações tem garantido o momento, afirmou Camila.
“As obras foram adaptadas para acolher o público neste momento em que o distanciamento social é a regra. Estamos seguindo todos os protocolos de segurança para evitar qualquer contágio. Todas as obras são instaladas em espaços abertos do parque e a interação será com certeza possível e segura. Realizar fotos com as obras é permitido e aconselhável”.
Além de ser um dos únicos projetos de artes visuais a acontecer na conjuntura de retomada da rotina na cidade, a mostra deste ano é ainda mais especial, avalia a diretora da Elo 3, idealizadora e realizadora do evento, Fernanda Del Guerra.
“Um dos projetos de artes visuais mais longevos no cenário brasileiro, em que já tivemos a participação de importantes curadores e artistas, a 10ª Mostra 3M de Arte é um momento de comemoração e agradecimento a todos os envolvidos, principalmente ao público, que nos acompanha há uma década, e à 3M, mecenas comprometida com as artes e cultura brasileiras”.
Questionada sobre a semelhança da mostra com as instalações do Instituto Inhotim, Camila afirmou que apenas a relação das obras com a natureza é similar.
“O Instituto Inhotim é um museu a céu aberto e um jardim botânico. A 10ª Mostra 3M de Arte, com o tema Lugar Comum, travessias e coletividades na cidade, foi pensada desde o início como uma possibilidade de pensar a arte e o espaço público. O Parque Ibirapuera foi a localização na cidade de São Paulo que pôde acolher este projeto e foi escolhido por ser um espaço de acesso público e que tem um histórico simbólico dentro do contexto da cidade. Ele combina projeto urbano com acesso à arte e à natureza. A mostra não foi inspirada em Inhotim e só pode ser comparada ao museu mineiro no que tange à relação de trabalhos artísticos com a paisagem verde”, concluiu.
Conheça os artistas e suas obras
Selecionado via edital, o Coletivo Foi à Feira – composto atualmente por Clarissa Ximenes, Gabriel Tye Luís Filipe Pôrto, Matheus Romanelli e Rayza Mucunã – apresenta o projeto Objeto Horizonte. Repensada e então já transferida para o contexto de pandemia, a instalação é baseada na arqueologia da memória. A obra é uma esfera, reflexiva por dentro e transparente por fora. Dedicada a ser um espaço de autorreflexão e um convite para que o visitante-participante deixe registrados seus desejos para uma cidade do futuro, a experiência imersiva conta com um painel de LCD com as mensagens deixadas e ruídos com estética futurista. As pessoas podem deixar áudios que serão enviados a um receptor que transforma, a partir de um sistema operacional, as vozes em inserções aleatórias de sons e o resultado será como escutar uma viagem no tempo. “A ideia foi mesmo de uma ‘nave espacial’, cápsula do tempo que pudesse manter as memórias durante vários anos”, conta Clarissa Ximenes, uma das integrantes do coletivo formado em 2010.
Rafael RG apresenta duas obras: O Brilho da Liberdade Diante dos Seus Olhos e Alto Astral. A primeira – O Brilho da Liberdade Diante dos Seus Olhos” é inspirada na biografia da abolicionista e ativista norte-americana Harriet Tubman – mulher negra que lutou pelo fim da escravidão nos EUA e fazia sua rota de fuga baseada na observação da constelação da Estrela Norte. A criação será uma instalação na área externa com backlight. Já no Planetário Professor Aristóteles Orsini (planetário do Ibirapuera), o artista apresenta Alto astral, uma intervenção sonora, que conta com a participação de astrólogos que fazem leituras astrológicas enquanto o visitante pode observar a projeção original. Os astrólogos convidados por RG fazem também um paralelo com a história de Tubman e trabalham com astrologias de povos originários e culturas afrodiaspóricas.
Também será possível olhar para o céu e vivenciar a obra O Que Ouve, de Lenora de Barros. Através de um drone que sobrevoa a área do parque atrás do Auditório Ibirapuera – Oscar Niemeyer, sem câmera, mas com um alto-falante potente, são emitidos sons de mensagens-poemas gravadas pela própria artista acerca do tempo presente. Pertencente ao grupo de risco nessa pandemia, Lenora segue em quarentena gravando uma série de trechos com diferentes tons de voz e reorganizando ideias sobre o período de isolamento. Segundo ela: “No final, minha ideia é bem simbólica para mim. Como artista, vou estar na mostra com a minha voz, independente de seguir o isolamento até a inauguração”, relata. Outras cinco caixas de som estão dispostas no parque para que emitam as mensagens de Lenora, que fala especialmente sobre vigilância e controle (em uma relação direta com as sensações que o isolamento tem nos trazido) com a ideia de gerar intervenções inesperadas aos visitantes em espaços diferentes.
Através da equação “[terra> tijolo= forno] + farinha x pão”, que representa a relação do homem com a produção do pão, alimento que está presente há milhares de anos na vida do ser humano, a dupla Gabriel Scapinelli e Otávio Monteiro realizou um projeto participativo para entender os processos colaborativos envolvidos na arte de se fazer pão. A obra, além de estar fisicamente entre a rota de instalações do parque, acontecerá também na Casa 1 – centro de acolhimento para a comunidade LGBTQIA+ de São Paulo. Dentro do projeto, ocorre a implementação de uma padaria a partir da construção de um forno tradicional e a organização de uma série de oficinas para aprendizagem da arte de fazer pão. O público poderá participar e entender, através da experiência, o significado de produzir o próprio alimento e as relações que se articulam por trás da ação, que carrega significado de autonomia, evolução e coletividade. A padaria deve ser uma extensão da obra, que não se encerra com o fim da exposição e intenciona iniciar uma economia criativa.
Ainda dentro da relação que temos com alimentação, a obra de Narciso Rosário, Canteiro Suspenso, inspirada em sua trajetória pessoal e a memória afetiva, traz a discussão de como os cidadãos se relacionam com a produção dos alimentos, passando por questões de sustentabilidade e de ancestralidade através do conhecimento e de práticas de plantio. O projeto consiste em uma instalação circular com 11 canteiros com variedades de plantas comestíveis e medicinais, permitindo que o público tenha contato com as plantas. Em paralelo, o artista organiza oficinas e ações junto à mediação da mostra para discutir questões como o cultivo doméstico e as possibilidades de cura pelas plantas.
Entre o Mundo e Eu/A Caminho de Casa é a obra de Diran Castro que tem objetivo de chamar atenção do público para o processo de gentrificação do Parque Ibirapuera e da cidade de São Paulo. A artista busca resgatar a memória do local, que foi apagada ao longo de um processo histórico de silenciamento. Para isso, ela irá construir uma cidade em miniatura com estrutura auto-sustentável, que terá um caminho a ser percorrido, criando um espaço de reflexão sobre o que existia naquele local antes de se tornar um parque. Essa obra é um convite para a desobediência estética por meio da instalação, que irá permitir a cada pessoa ter seu próprio entendimento a partir da obra.
A obra de Camila Sposati, Teatro Parque Arqueológico, retorna às raízes e deseja se conectar com a ancestralidade local, também contará com intervenções sonoras e performáticas. A artista conta: “Meu trabalho se faz por camadas. A proposta é olhar para dentro da terra”. Neste trabalho, Camila irá construir uma representação do antigo teatro anatômico que abrigará seus instrumentos-esculturas em cerâmica produzidos com base na série de trabalhos Phonosophia. O resultado será um ambiente extremamente inusitado, surpreendente e vibrante no parque. A instalação reflete sobre a passagem do tempo: uma indução à observação do passado e entendimento da tensão do futuro. As apresentações performáticas ocorrem aos domingos, de 8 de novembro a 6 de dezembro, das 13h às 18h.
Cinthia Marcelle faz uma releitura de Geografia [série Unus Mundus], obra feita no Museu da Pampulha em 2004. Orientada pelo tema de lugar comum, a artista produziu uma instalação com duas vias: a que fala de privilégio e a que fala de periferia. A partir da progressão geométrica simples, mas em grande escala, braços de mangueiras de jardim unem um curso d’água a uma torneira se repetindo numa progressão constante e “infinita” (pois que o seu fim não é revelado). Um indício de ações que se repetem constantemente na natureza e em uma relação de um para um, moldando a geografia do local. Ao inverter o sentido “natural” da água canalizada, da torneira para o lago, a artista provoca a reflexão de que a água está sempre em movimento e ainda a constatação de que uma torneira não é algo tão banal quanto parece. “A água canalizada é uma das principais conquistas da civilização moderna e ela implica de forma decisiva em como o controle sobre recursos naturais e a consequente gestão desses bens ‘universais’ auxilia a organização da cidade”, conta a curadora Camila Bechelany sobre o trabalho.
O futuro, a terra, o solo, o tempo. Temas recorrentes na discussão sobre a vida em coletividade, potencializados pelas obras, ganham mais um impulso através de O Mundo versus o Planeta, projeto de Luiza Crossman. Com três vertentes, a artista propõe o entendimento sobre a diferenciação de “Terra” e “planeta” e sobre a relação entre a arte e ciência. Sob a intenção de ter não só o aspecto instalativo, mas curricular e colaborativo, Luiza resgata a ideia de escala humana e da experiência de mundo a partir da experiência física no parque, mais especificamente na antiga serraria. Já o currículo educacional (estrutura disponível para que essas informações sobre a comparação e as reflexões possam ser institucionalizadas) acontece durante a Mostra e em colaboração com dois pesquisadores. A terceira direção do trabalho é a disponibilização online de conhecimento sobre o tema a partir da continuação da Coleção Trama, uma parceria com a Zazie Edições para traduzir autores estrangeiros e atualizar a bibliografia editorial brasileira.
Maré de Matos discute a coletividade por meio de um espaço construído para que se celebrem as diferenças na sociedade, em Púlpito Público. Sendo um púlpito criado com três escadas e 4 megafones permitindo acessos diversos aos megafones abertos. A instalação fala sobre a convivência e um ponto em comum possível para todos, independente dos caminhos escolhidos já que todas as escadas levam ao mesmo lugar: um espaço onde todos têm voz.
Serviço: 10ª Mostra 3M de Arte
Tema: “Lugar Comum: travessias e coletividades na cidade”
Data: 7 de novembro a 6 de dezembro
Horário do educativo da Mostra 3M de Arte: 10h às 21h
Local: Parque Ibirapuera – Av. Pedro Álvares Cabral, s/n.
Entrada gratuita