Um novo espécime da jiboia-da-ribeira (Corallus cropanii), uma fêmea adulta, foi encontrado e resgatado com vida por moradores do Bairro Guapiruvu, no município de Sete Barras (SP). Este é o segundo espécime encontrado vivo pela população. Outro foi encontrado em janeiro de 2017.
Historicamente, o encontro quase sempre resultava na morte destes animais. E esse caso revela uma mudança significativamente positiva na relação da população com as serpentes encontradas na região.
A área onde o animal foi encontrado, além abrigar uma comunidade preocupada e ativa no protagonismo da conservação da natureza, é também especial pela sua proteção legal: contígua ao Parque Estadual Intervales e inserida na Área de Proteção Ambiental (APA) da Serra do Mar. Sendo assim, o fato se reveste de grande importância para a biodiversidade da Mata Atlântica, indicando que o conjunto de unidades de conservação do Vale do Ribeira vem cumprindo seu papel de proteger e viabilizar a existência de espécies raras, endêmicas e ameaçadas de extinção, a exemplo da Corallus cropanii.
Os responsáveis pelo encontro, Paulo Vinicius Teixeira, Wilian Daniel Martins, Bernardo Alves dos Santos e Virgílio Gomes foram contatados pelos guardas-parque do Parque Estadual Intervales, que avistaram o animal se deslocando pela estrada durante a ronda pela comunidade.
Willian e Vinícius são fundadores da “Ação Comunitária Mãos que protegem”, uma iniciativa que colabora com a gestão do Parque e viabiliza o resgate de serpentes encontradas na comunidade e sua soltura em áreas preservadas e seguras, desenvolvida em consonância com o “Projeto de Ciência Cidadã Amigos da Mata”.
Funcionários da Fundação Florestal, os dois atuam na Base Guapiruvu do Parque Estadual Intervales. Vinícius foi um dos responsáveis pelo encontro da jiboia em 2017, que ficou conhecida como “dona Crô”. Ele trabalhou como auxiliar de pesquisa no “Projeto Jiboia do Ribeira”, responsável pelo monitoramento desenvolvido ao longo de três meses, até que o animal desprendeu o transmissor que carregava, durante uma troca de pele.
No início da atuação do projeto na comunidade, em outubro de 2016, foi proposto o nome jiboia-da-ribeira para estreitar a ligação da comunidade com a serpente, visto que a espécie tem a distribuição restrita a esta região do estado. O termo “jiboia” foi escolhido para remeter a uma espécie não peçonhenta, e pelo fato de ser da família Boidae, a mesma das jiboias e jiboias-arco-íris. A receptividade da comunidade do Guapiruvu, já engajada em diversas outras causas ambientais, favoreceu a parceria e vem rendendo bons resultados.
Atualmente, a jiboia-da-ribeira é conhecida e bem vista por grande parte dos moradores, que foram capacitados pelo projeto sobre manejo seguro e transporte de serpentes, que permitiram uma nova abordagem da comunidade com as serpentes.
No momento deste segundo encontro, Bruno Rocha e Daniela Gennari, coordenadores do Projeto Jiboia do Ribeira, foram avisados e direcionaram as ações técnicas emergenciais. A serpente será mantida em cativeiro até que sejam finalizados estudos e exames. Em breve ela poderá retornar à vida livre, quando será monitorada por telemetria.
A Ação Comunitária Mãos que Protegem, o Projeto Jiboia do Ribeira e o Projeto de Ciência Cidadã Amigos da Mata contam com a colaboração e suporte de várias instituições, como a Fundação Florestal, RAN-ICMBio, Instituto Butantan, FAPESP, IUCN, Cooperasso e Amigos da Mata, além de pesquisadores da UFSCar, FGV, Unicamp e UFMT.
Importância para a preservação ambiental
Para Thiago Borges Conforti, gestor do Parque Estadual Intervales, esse achado tem importância especial para a pesquisa científica e para o esforço de conservação da natureza, uma vez que trata-se do encontro de um exemplar vivo de uma espécie rara e endêmica. “O exemplar será estudado e monitorado, no seu habitat natural, no interior do Parque. Isso é uma situação atípica para a Ciência, e de imenso valor em termos de conhecimento básico e aplicado. Para Conservação da Natureza é um atestado de eficiência sobre a qualidade dos serviços prestados pelo Parque”.
Conforti complementa: “Essa espécie foi descrita há mais de meio século, e passou os últimos 60 anos sem ser avistada. Ela já era considerada extinta na natureza por muitos pesquisadores. Pode-se atribuir seu reaparecimento a dois fatores locais essenciais: a qualidade da preservação do Parque e o esforço de busca ativa da comunidade do Guapiruvu.
O Parque Estadual Intervales possui ecossistemas de Mata Atlântica muito bem preservados, que permitiram a continuidade da vida evolutiva da jiboia-da-ribeira, assim como de onças-pintadas, catetos e muriquis.