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Trutas podem gerar descendentes mais adaptados às mudanças climáticas, sugere estudo do Instituto de Pesca

Em apenas uma geração, peixe foi capaz de transmitir tolerância a temperaturas mais altas que as encontradas em seu habitat natural. (Foto: Ricardo Hattori)

Uma pesquisa desenvolvida pelo Instituto de Pesca (IP-APTA), órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, demonstrou que trutas mantidas em temperaturas ligeiramente superiores às habituais durante a fase de desenvolvimento sexual foram capazes de transmitir tolerância térmica à próxima geração de peixes. A mudança, no entanto, causou prejuízos reprodutivos aos machos, levando a uma diminuição no número total de descendentes viáveis. Pela relevância e ineditismo, o estudo rendeu publicação na revista científica Scientific Reports, ligada à prestigiada Nature.

“Esse trabalho procurou emular os efeitos do aquecimento global em trutas arco-íris, sob condições climáticas do Brasil”, explica a pesquisadora do IP Neuza Takahashi. Conforme conta, isso foi feito mantendo os peixes por 3 meses em um habitat 4ºC mais quente que o habitual, enquanto ainda eram juvenis – fase central na formação dos órgãos sexuais dos indivíduos. Após esse período, os peixes voltaram às condições normais de temperatura por mais 15 meses, até completarem sua maturação sexual. “Como a reprodução é uma das etapas essenciais para a perpetuação das espécies, testamos o efeito da elevação de temperatura sobre os parâmetros reprodutivos”, detalha Neuza.

Os resultados encontrados chamaram a atenção – e preocuparam os cientistas. “Esse estudo demonstrou, de forma inédita, que o estresse térmico em juvenis machos de truta arco-íris causa efeitos deletérios nas células germinativas que persistem até a fase adulta”, relata Arno Butzge, pesquisador que conduziu os experimentos no IP durante seu doutorado pela Unesp-Botucatu, sob orientação de Claudio de Oliveira e Ricardo Hattori e apoio da Fapesp. Em outras palavras, a manutenção das trutas em águas mais quentes que o habitual, mesmo que por poucos meses, foi suficiente para tornar os machos adultos funcionalmente estéreis (não atingiram a maturação sexual), ou permanentemente menos férteis (redução significativa na quantidade de sêmen produzida). “Além de afetar o desenvolvimento testicular, a fecundidade, a motilidade e morfologia espermática, o desenvolvimento embrionário da progênie (os descendentes) também foi comprometido”, elucida Butzge. No caso das fêmeas, não houve mudanças significativas.

Um banho de água…quente

Claramente, esses primeiros achados não foram muito animadores para o futuro das trutas. Em um cenário esperado de aumento das temperaturas globais, uma menor capacidade de reprodução por parte dos machos poderia comprometer não só a atividade da truticultura, mas a própria perpetuação da espécie. Entretanto, como uma luz no fim do túnel, o trabalho do IP acabou trazendo uma descoberta inesperada – e intrigante.

“Surpreendentemente, esses efeitos negativos puderam ser compensados por ganho de termotolerância na prole após uma única geração”, conta Butzge. Isto é, apesar de os machos “estressados” pela temperatura elevada gerarem descendentes em menor número e com maior incidência de deformidades, aqueles que nasceram saudáveis conseguiram adquirir a tolerância à água mais quente através dos pais. “A natureza favoreceu os machos sobreviventes, quando adultos reprodutores, a gerar filhotes com uma tolerância térmica ambiental maior, garantindo melhor sobrevivência e crescimento aos filhos quando submetidos às mesmas condições de estresse impostas aos pais”, anima-se Neuza.

Conforme explicam os especialistas, num salto, os filhos se tornaram mais tolerantes ao calor, somente pela exposição do pai à água mais quente quando jovem. Isto prenuncia, segundo os autores do trabalho, a ocorrência de um fenômeno biológico que está na fronteira da Ciência – a epigenética -, na qual um estresse significativo durante a vida dos pais fica marcado na herança genética pelas gerações futuras, sem que haja alterações no DNA – ao contrário do que se vê na genética convencional.

Um mundo em transformação

De acordo com os pesquisadores, os peixes salmonídeos, como a truta, são típicos de águas frias, e por isso a elevação da temperatura causada pelas mudanças climáticas é uma ameaça real à continuidade das espécies (muitas já foram mesmo extintas ou estão ameaçadas). Além dos prejuízos ecológicos, os especialistas defendem que isso acarretaria uma diminuição no acesso de diversas populações humanas aos recursos pesqueiros. “Considerando o iminente aumento das temperaturas médias globais, há uma preocupação em termos de segurança alimentar, devido aos riscos sobre a produção pesqueira e a piscicultura, principalmente sobre as espécies mais susceptíveis a altas temperaturas”, adverte Butzge.

Nesse cenário, apesar de não trazer nenhuma garantia de que o futuro das trutas esteja assegurado, a nova pesquisa fornece alguns indícios de como podemos auxiliar em sua preservação. “Este processo que estudamos, desenvolvido de forma ética, possibilita preparar linhagens de peixes com melhor tolerância às alterações de temperatura, permitindo a continuidade da espécie diante do comprometimento vital em função do aquecimento global”, aponta Neuza.

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Assim, se, por um lado, o trabalho do IP acende um sinal de alerta, por outro, traz alguma esperança. “Esses resultados têm implicações tanto para a aquicultura, uma vez que essa estratégia pode ser usada para melhorar a tolerância a altas temperaturas em um período muito mais curto, quanto do ponto de vista ecológico”, acredita Butzge. “Se os peixes com tolerância térmica adquirida encontram condições de se reproduzir e gerar descendentes viáveis, este processo pode ser extremamente benéfico para aprimorar sua capacidade adaptativa e suportar as mudanças climáticas globais”, conclui o especialista.

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