No chamado calcanhar do Brasil está o Farol de Touros (RN). Já no extremo sul do País encontra-se o Farol da Barra do Chuí (RS). Hoje, existem 206 faróis distribuídos ao longo da extensa costa brasileira, sendo 199 administrados pela Marinha do Brasil (MB). Essas construções notáveis estão presentes há milênios na vida daqueles povos que precisam se aventurar nos mares. Nos registros históricos, o Farol de Alexandria, construído por Ptolomeu II (323 a 285 a.C.), um dos sucessores de Alexandre – O Grande, foi considerado uma das sete maravilhas do mundo antigo. A ilha escolhida para a construção do farol chamava-se Pharos (pronuncia-se “faros”), o que determinou como essas construções seriam conhecidas.
Por que eles são tão importantes? Uma explicação lúdica pode ser encontrada na famosa frase “navegar é preciso, viver não é preciso”, popularmente atribuída ao poeta Fernando Pessoa, mas com fonte provável no general romano Pompeu (séc. I a.C.). A primeira parte da frase pode revelar duas características da arte da navegação: ela é necessária e requer precisão. Porque o mar é fonte de riquezas e biodiversidade e também é utilizado como forma de transporte, lazer e subsistência. Contudo, o mar nem sempre é dócil, podendo surpreender quem não se prepara para suas intempéries. Daí a importância de conhecer as técnicas e instrumentos de navegação e de orientação.
Para que uma navegação seja bem-sucedida, é necessário planejamento e a utilização de instrumentos que ajudam a direcionar o percurso. Entre os instrumentos utilizados para orientar aqueles que decidem navegar estão as cartas náuticas, as boias luminosas e os faróis. Avistar um farol é muito mais que apenas ver uma edificação. Pode representar alívio e esperança, um sinal de que o lar está mais próximo ou que a navegação está seguindo conforme planejada.
As cidades crescem com o tempo e, em diversos casos, os faróis refletem essa realidade. Um exemplo é o novo Farol do Mucuripe, em Fortaleza (CE), que foi inaugurado em 2017. O equipamento tem cerca de 72 metros de altura, aproximadamente três vezes maior que o antigo. É o maior farol convencional das Américas e está entre os 10 maiores do mundo. Ele possibilita melhores condições de trabalho para toda a comunidade marítima, especialmente para os pequenos barcos e jangadas que não dispõem de tecnologia de geolocalização.
Coordenação dos Auxílios à Navegação
O Encarregado da Divisão de Auxílios à Navegação do Centro de Auxílios à Navegação Almirante Moraes Rego (CAMR), Capitão-Tenente Leonardo Ikeuti, destaca a relevância dos faróis. “Ainda que grandes embarcações façam uso de equipamentos tecnológicos como radares e GPS, em caso de falha destes, os faróis são fundamentais, especialmente para pequenas embarcações de pesca e recreio que geralmente não possuem tais equipamentos”, ressalta.
Devido à grande extensão do litoral brasileiro, o exercício da atividade de sinalização náutica é segmentado por regiões. Por isso, em diferentes localidades, cabe aos Serviços de Sinalização Náutica (SSN) e aos Centros de Hidrografia e Navegação (CHN), estabelecer, manter e operar os sistemas de sinais de auxílio à navegação de responsabilidade da Marinha. Eles estão presentes nas cidades de Salvador (BA), Natal (RN), Belém (PA), Rio Grande (RS), Ladário (MS) e Manaus (AM) atuando sob a supervisão técnica do CAMR, que também é responsável pela área do Rio de Janeiro (RJ). Nas localidades que não dispõem de SSN ou CHN, a manutenção e a fiscalização dos serviços de sinalização náutica ficam a cargo das Capitanias dos Portos e de suas Delegacias e Agências.
O Faroleiro: importância do fator humano
Para garantir que os faróis continuem cumprindo a missão de salvar vidas, o faroleiro ainda é peça-chave, não importa quanta tecnologia e automação sejam aplicadas nesses instrumentos. Esse profissional vai além da operação desses sinais e dedica-se também à manutenção e ao zelo pelo contínuo funcionamento. A dedicação dos faroleiros garante que milhares de pessoas naveguem de forma segura todos os dias na costa brasileira.
O Suboficial (Faroleiro) Rafael Elisio Gonçalves Fernandes serve atualmente no Farol da Barra do Chuí. Seu interesse por faróis iniciou ainda na Escola de Aprendizes-Marinheiros, quando sua turma foi escolhida para visitar o Farol de Santa Marta, em Laguna (SC). “Sou faroleiro de coração e de profissão, porém uma noite tive que ficar acordado por causa de um problema na máquina de rotação do farol e fiquei pensando naqueles que me precederam e quanta dificuldade eles passaram para deixar a navegação mais segura, com frio extremo de -2 °C. Foi cansativo, porém extremamente gratificante, quando o sol começou a surgir no horizonte. Sem dúvida, foi o melhor serviço que tirei na Marinha”, relatou o Suboficial.
Para ele, o isolamento é a principal dificuldade, pois “apesar de poder trazer a família, no caso deste farol, nós ficamos longe dos parentes, dos amigos e, na maior parte das vezes, distante de uma infraestrutura necessária para atender necessidades básicas como saúde, educação e lazer”.
É comum que faróis localizem-se em ilhas afastadas das cidades, em localidades estratégicas para a navegação. Cada um deles demanda diferentes condições de guarnecimento, alguns exigem que os militares permaneçam durante 90 dias em localidades isoladas, outros até mais tempo. Esse distanciamento faz com que o trabalho torne-se mais complexo. De acordo com o Capitão-Tenente Ikeuti, “os militares que guarnecem os faróis devem possuir, além dos conhecimentos técnicos relativos à profissão de faroleiro, noções de elétrica, hidráulica, motores, operação de equipamentos de rádio, primeiros socorros, observação meteorológica, preservação do meio ambiente, ótimas condições físicas e facilidade de viver em isolamento e conviver em pequenos grupos”.
Saiba mais sobre esses auxílios à navegação
A publicação “Lista de Faróis”, editada pela Diretoria de Hidrografia da Marinha, por meio do Centro de Hidrografia da Marinha, contém a relação completa de faróis e outras formas de sinalização náutica presentes em toda a costa brasileira. Além de uma breve descrição textual contendo posição e altura dos sinais luminosos, ela apresenta, ao final, fotografias dos principais faróis e faroletes brasileiros organizados por região. Com isso, aqueles que pretendem navegar em um determinado ponto da costa brasileira podem se familiarizar com a posição e a aparência dos sinais ali presentes.
Faróis também são destinos turísticos
A figura de um farol é em alguns casos tão marcante que eles são considerados destinos turísticos. Um exemplo disso é o Forte de Santo Antônio da Barra – também conhecido como Farol da Barra -, em Salvador (BA), que tem cerca de 324 anos, sendo o sinal náutico mais antigo do País. Ele foi eleito, em 2020, como Farol do Ano pela Associação Internacional de Autoridades de Auxílios à Navegação Marítima e Faróis (IALA, na sigla em inglês). Essa premiação busca reconhecer aqueles faróis que possuem destacado valor histórico, cultural e arquitetônico. Além disso, o tradicional farol baiano foi escolhido para sediar o Museu Náutico da Bahia, fato que evidencia seu potencial turístico. Em 2019, mais de 130 mil visitantes passaram pelo museu.
Para se aprofundar sobre os faróis
Por mais que estejam espalhados por toda a costa brasileira, os faróis não deixam de despertar a curiosidade daqueles que com eles se deparam. Se quiser conhecer, de forma mais aprofundada algumas dessas sinalizações, uma sugestão é a série “Faróis do Brasil”, produzida e veiculada pela TV Brasil, em parceria com a Marinha do Brasil.
Outra iniciativa que explorou as particularidades dessas construções foi a série “Luzes da Amazônia Azul”. Em forma de expedição e aventura, a série retrata histórias da costa brasileira, trazendo como personagens 16 faróis mantidos pela MB, e conta também com depoimentos do Capitão de Mar e Guerra Ney Dantas (in memoriam), que mostram a importância de cada um dos faróis. Os episódios foram exibidos pelo canal Travel Box Brazil.
O Capitão de Mar e Guerra Ney Dantas, farologista e importante personagem do documentário “Luzes da Amazônia Azul”, escreveu no livro Luzes do Novo Mundo que, a despeito do desenvolvimento tecnológico que presenciamos, os faróis continuaram a existir como “monumentos da arquitetura farológica e símbolos seculares da perseverante e incansável luta do Homem contra a agressividade do mar em seus momentos de ira. São marcos cravados em sítios isolados e lugares inóspitos no litoral do país, com o propósito de ajudar o navegante, principalmente, em seus momentos de desespero”.