Para muitos, ser militar é a realização de um sonho. Para o Terceiro-Sargento (Fuzileiro Naval) Josué Azevedo da Silva e para o Terceiro-Sargento (Especializado em Aviação) Josias Azevedo da Silva, irmãos gêmeos de 32 anos, o sonho era também da mãe, Rosana. Quando os irmãos tinham quatro anos, a mãe teve um sonho – nele, Josué vestia uma farda branca e Josias uma farda azul, os dois já adultos.
De família humilde e muito religiosa, os irmãos começaram a trabalhar aos 13 anos. “Éramos muito pobres, meu pai trabalhava de motorista de ônibus, a gente não tinha condição de ter as coisas, faltava comida, nossas roupas nunca eram compradas, sempre recebemos doações. A gente usava fios elétricos para prender as calças que ganhávamos, como cinto, porque não tínhamos. Durante um período longo, a gente só tinha um par de tênis, que era dividido – eu estudava de manhã, com o tênis, e, quando chegava em casa, meu irmão pegava para estudar à tarde”, lembra o Terceiro-Sargento (FN) Azevedo, que hoje serve no 1º Batalhão de Infantaria de Fuzileiros Navais, no Rio de Janeiro (RJ).
Para ajudar a família, ele e o irmão começaram a realizar diversos trabalhos: foram auxiliares de obra, carregando areia e pedra para dentro das casas, capinavam terrenos, foram garçons, entre outros. “A rotina era sempre isso. Ir e voltar da escola, brincar um pouco, trabalhar, ir para a igreja. A maior parte do tempo foi assim. Mesmo assim, nossa infância foi muito boa em termos de aproveitar, brincar como dava, ver uma televisão emprestada. (…) A gente também sonhava em ser jogador de futebol”, diz ele. Com 15 anos, passaram em um teste para jogar futebol pelo Bangu (time carioca).
Aos 16, durante um dos muitos serviços como auxiliares de obra, uma surpresa. Uma mulher que nunca tinha visto passou por eles e disse: “vi algo extraordinário para a vida de vocês. Você (apontando para Azevedo) com uma farda toda branca. Você (para Josias) eu vi com uma farda azul, mas depois ainda vai realizar o seu propósito”. A partir daquele momento, lembrando do sonho da mãe, pararam de jogar futebol e foram em busca do verdadeiro sonho: ser da Marinha. “Começamos a ir para lan houses, olhar editais, matérias que a gente precisava estudar, ver vídeos da Marinha – que eram uma grande motivação, porque qualquer pessoa preta, parecida com a gente, a gente brincava ‘esse aqui sou eu, esse aqui é você’, o que aumentava a nossa vontade. Era um desejo que ninguém poderia tirar. Mas a gente não sabia nem por onde começar“, conta o Terceiro-Sargento (FN) Azevedo.
Na época, o sobrinho, filho da irmã mais velha, foi diagnosticado com câncer e fazia um tratamento no Instituto Nacional de Câncer (INCA), na Avenida Brasil, próximo aos quartéis da Marinha do Brasil (MB). A avó, toda vez que o levava, via os homens fardados, “com a farda toda cheia de detalhes“, e dizia que um dia aqueles homens não seriam desconhecidos, mas os filhos dela. Durante o tratamento, o INCA, associado à Casa Ronald McDonald, doava cestas básicas para os necessitados.
Os irmãos eram os responsáveis por buscá-las para a família. Nestes dias, recebiam do Instituto um “tíquete“ simbólico de R$ 15 para ser trocado em um dos três setores: alimentação, roupas (doadas) ou em uma biblioteca de livros também doados. “Na primeira vez, a gente comeu um lanche. Na segunda, a gente pegou uma camiseta e um par de tênis, porque meu irmão estava usando o sapato do meu pai. Na terceira, meu irmão disse ‘não vamos pegar lanche não, vamos nos alimentar de livros agora para amanhã a gente comer o que quiser’. Essa frase está na minha cabeça até hoje“, se emociona o Sargento Azevedo.
Para o Terceiro-Sargento (Especializado em Aviação) Josias, aquele foi um momento de desespero. “A gente sabia das incertezas que tínhamos durante a nossa juventude e da dificuldade do desemprego dos nossos pais. Por isso, acendeu um alerta para que tivéssemos um futuro melhor“. Foi quando começaram a pegar livros para estudar para a Força Naval em casa. Na primeira tentativa, acordaram às 3h para ir até o Maracanã, local da prova, com um copo de café, alguns poucos biscoitos, um lápis que quebraram ao meio para dividir entre si, caneta e uma prancheta doada. Não passaram, mas continuaram em uma rotina que envolvia escola, igreja e estudo para a prova, as vezes até de madrugada.
“Na segunda prova, no Engenhão, em 2011, eu saí dizendo para a minha mãe que ia passar. E eu passei (para o Curso de Formação de Soldados Fuzileiros Navais). Infelizmente, meu irmão não passou. Foi aí que ele se alistou para Serviço Militar Obrigatório e foi servir na Aeronáutica“, lembra o Terceiro-Sargento (FN) Azevedo.
A imagem do sonho da mãe estava realizada, mas a motivação de estudar para a Marinha não acabou. Foram pouco mais de dois anos na Força Aérea Brasileira antes de o agora Sargento Josias ser aprovado para o curso na Escola de Aprendizes-Marinheiros do Ceará, realizado em 2014. “Meu irmão me influenciou positivamente e foi uma fonte de inspiração. Ele sempre teve coragem de lutar“, ressalta ele. “O sentimento que eu tenho é de muita gratidão e emoção. Estar ao lado do meu irmão nessa carreira brilhante era um sonho que tínhamos desde os 4 anos. Porém, tudo começou com um sonho da minha querida mãe e as orações do meu pai. Apesar dos desafios que eu e meu irmão enfrentamos, ambos acreditávamos que tudo era possível. Esse sentimento de estarmos na mesma Força é incrível.
O companheirismo e amizade que temos um com o outro fortalecem ainda mais a nossa jornada e nossa carreira. E termos alcançado essa vitória de sermos Sargentos da gloriosa Marinha do Brasil é uma experiência muito gratificante para nós dois. Enfim, só tenho a agradecer a Deus por essa conquista“. Na última sexta-feira, 14 de junho, Josias se formou Terceiro-Sargento (Especializado em Aviação) no Centro de Instrução e Adestramento Aeronaval Almirante José Maria do Amaral Oliveira (CIAAN), em São Pedro da Aldeia (RJ), onde aguarda o início do estágio que encerrará o Curso Especial de Habilitação para Promoção a Sargento.
O Terceiro-Sargento (FN) Azevedo reforça a alegria de estar junto do irmão, ambos como Sargentos da MB. “É algo realmente especial e único. Dividir essa carreira e esses momentos de conquista cria uma ligação ainda mais forte entre nós, pois saímos juntos nessa jornada e chegamos juntos. Ver ele se formando (…) foi sem dúvida um marco de orgulho e alegria, não só pelo esforço e dedicação que isso representa, mas também pelo caminho que trilhamos juntos. Essa experiência trouxe um sentimento de realização e satisfação (…). É uma celebração do compromisso, tanto com a Marinha quanto um com o outro, e um testemunho de perseverança e companheirismo“.
Ingresso na Marinha
“As pessoas devem acreditar em si. As perspectivas de vida para pessoas como eu e meu irmão eram praticamente nulas, ninguém acreditava na gente (…) nem comida a gente tinha direito. A gente estudou sempre em casa. Durante esse processo, largamos tudo. A gente priorizou muito construir uma carreira porque a gente via a dificuldade do nosso pai, então a gente precisava buscar isso para as nossas vidas. (…) Hoje eu sou militar, sou Operações Especiais, Paraquedista, Saltador Livre, Montanha (…) tenho diversos cursos operacionais pela Marinha porque me esforcei e estudei em casa. Não é impossível“, finaliza o Terceiro-Sargento (FN) Azevedo.
As 20 formas de ingresso existentes para aqueles que também buscam a carreira militar-naval são distribuídas entre os níveis fundamental, médio, médio técnico e superior. Os concursos são voltados tanto para a seleção de candidatos que seguirão a carreira militar como para o Serviço Militar Voluntário (SMV) de militares temporários.
Atualmente, a Marinha do Brasil está com vagas abertas para dois concursos destinados ao ingresso de novos Praças – para o Corpo de Auxiliar de Praças, que receberá inscrições entre os dias 2 a 15 de julho, e para o Quadro Técnico de Praças da Armada, de 9 a 31 de julho.