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Sentados sobre bancos improvisados, feitos de troncos de árvores, em uma clareira no meio do cerrado, na região conhecida como Saia Velha (DF), uma equipe de Fuzileiros Navais aprende técnicas primitivas de obtenção de fogo. Indistinguível dentre tantos militares de uniforme camuflado e cobertos de terra e fuligem, está a Soldado Fuzileiro Naval (FN) Fabiana Damasceno, primeira mulher a participar de uma edição do Estágio de Qualificação Técnica Especial em Operações no Cerrado, conduzido pelo Grupamento de Fuzileiros Navais de Brasília (GptFNB).
Para estar neste seleto grupo, não bastou ser voluntária. A Soldado Fabiana, assim como seus 55 colegas, precisou se submeter a testes de aptidão física rigorosos e de caráter eliminatório. A conquista da vaga também não garantiu a permanência no estágio. Dos que iniciaram o curso em janeiro, apenas 32 chegaram à terceira semana, quando se iniciou a etapa de sobrevivência na área Alfa da Marinha do Brasil. Nessa segunda fase, que durou cerca de 15 dias, as instruções foram em região de mata fechada, onde ficaram expostos a todo tipo de intempérie climática.
Desafios e lições
Os Fuzileiros Navais encararam, ainda, animais peçonhentos, privação de sono, restrição alimentar, longas marchas, além de natação utilitária, em rio próximo ao acampamento. Construíram diferentes tipos de abrigos, armadilhas, estruturas de fogões, de captação de água e estudaram a prática da entomofagia, consumo de insetos de alto valor proteico, disponíveis no bioma. Nos bolsos e nas mochilas, carregavam apenas o necessário para se manter, como a ração operacional de combate ‒ refeição de pronto preparo ‒, agasalhos, cantis, barracas e material de primeiros socorros.
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“Os momentos mais desafiadores para mim, sem dúvidas, foram as etapas que envolviam água. Antes de começar o curso, eu não conseguia fazer nem cinco minutos de permanência com o fuzil a tiracolo. Então, durante esse período, eu percebi que, com muito esforço, dedicação e vibração, nós podemos superar todos os nossos limites”, avalia a Soldado FN que viu nesta formação a oportunidade de deixar um legado para as próximas gerações. “Quero ter algo grande para contar para os meus filhos, para os meus netos futuramente”, almeja.
Para o Capitão-Tenente (FN) João Victor Guzovski, militar de posto mais antigo desta turma, o maior desafio do curso é sempre o próximo. “A gente tem que viver um dia de cada vez e todos os dias têm um desafio diferente. Todos os dias a gente tem um leão ou vários leões para matar”, resume. Ele acredita que o que define o sucesso da missão é saber trabalhar em equipe. “A gente tem que pensar sempre como um turno. É um sempre cuidando do outro, o tempo todo, porque no combate realmente vai ser assim. Individualmente, ninguém chega a lugar nenhum.”
Em muitos momentos a resiliência da tropa foi desafiada, como quando precisavam se deslocar empunhando um fuzil de mais de 4 quilos e carregando nas costas uma carga de cerca de 20 kg. No caso de Fabiana, esse é quase metade de seu peso, o que exigia um esforço ainda maior. Desistir, porém, não era uma opção para ela e seus companheiros, que conseguiram avançar para a terceira e última etapa do Estágio ‒ de segurança de área e de autoridades, ministrada na pista de direção defensiva e evasiva do Complexo de Ensino da Polícia Militar do Distrito Federal.
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“Resistência, coragem e fé”
Este foi o primeiro estágio operativo de que ela participou já na ativa, após formar-se Soldado Fuzileiro Naval no ano passado. Além das etapas de sobrevivência e de segurança de área e de autoridades, o curso contou com instruções práticas de controle de distúrbios, conduzidas nas instalações do Grupamento de Fuzileiros Navais de Brasília e também no Grupo de Segurança e Defesa de Brasília da Força Aérea e no Batalhão de Polícia de Choque da PMDF. Esses três campos de atuação constituem parte do escopo de responsabilidades dos Fuzileiros Navais na capital federal.
Após 40 dias ininterruptos de treinamento, o grupo comemorou a formatura na manhã de ontem (27), no Grupamento de Fuzileiros Navais de Brasília. Os novos combatentes receberam o distintivo de Operações no Cerrado e o gorro ocre, símbolos dessa conquista alcançada com “resistência, coragem e fé”, lema dos chamados carcarás. Com eles, já são 151 militares qualificados pelo GptFNB em cinco anos, todos aptos a defender o Brasil neste que é o segundo maior bioma do País.